Envelhecimento, Família e Vínculos Sociais

Envelhecimento, Família e Vínculos Sociais

29 de julho de 2022

Artigos

Artigo da especialista em geriatria da Prevent Senior, Tatiana Elias de Pontes, como parte dos conteúdos especiais da Semana dos Avós.

Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.” - Reinvenção (Cecília Meireles, 1972)


O Brasil passa por um processo de envelhecimento populacional nas últimas décadas, decorrente da transição demográfica e epidemiológica particularmente acelerada no país. Desde as últimas décadas do século XX, observa-se a redução da fecundidade e da mortalidade, acarretando grande transformação da estrutura etária. Em 2011, a população de idosos (60 anos e mais) no Brasil representava 11% da população total, passando para 14,8% em 2022, com projeção de 16,2% para 2025. Estima-se que, em 2030, o número de idosos ultrapassará o total de crianças entre 0 e 14 anos. (OPAS, 2022)

Se por um lado, temos um menor número de membros em cada geração como resultado da baixa taxa de natalidade, por outro, com o aumento da longevidade, observamos a existência de várias gerações da mesma família. Dessa maneira, aumentam o número de avós e o número de anos que uma pessoa vai viver como avô/avó. É habitual nos dias de hoje compartilhar a vida adulta dos netos, criando novas modalidades vinculares de solidariedade mútua, em que frequentemente estes se transformam em seus cuidadores e/ou exercem uma função mediadora quando existem conflitos com a geração do meio (FREITAS, 2022).

O contexto familiar representa, pois, um elemento fundamental para o bem-estar dos idosos, que encontram nesse ambiente apoio e intimidade para as diferentes situações com que se deparam, relações que asseguram um espaço de pertencimento com os familiares. A família contemporânea vem sofrendo transformações em relação ao surgimento de novos papéis e a longevidade tem proporcionado a convivência intergeracional, encontrando-se até quatro gerações em uma mesma residência. Esse panorama demonstra que a família, apesar das mudanças frente a diversas situações, continua sendo um local de extrema importância para nutrir afetos e proteção aos idosos (ARAÚJO, 2012).

Essa convivência intergeracional será facilitada se os aspectos positivos dos vínculos forem privilegiados: compreendendo a situação familiar e a falta de redes de apoio social; tentando sempre vencer os preconceitos mútuos; minorando a ideia de encargo, que pode ser substituída pela de patrimônio; aprimorando a noção de cuidado, incluindo a reciprocidade e a solidariedade. Por intermédio da possibilidade de amor pelo neto, o idoso redescobre esse sentimento em si. (FREITAS, 2022)

Assim, os vínculos que os idosos estabelecem no decorrer da vida são formados pelo grupo familiar, e por amizades na comunidade onde moram. Essas relações propiciam uma sensação de pertencimento e esse fator tem sido reconhecido como aspecto fundamental para um envelhecimento com qualidade de vida. Essas redes de apoio ajudam os idosos durante seu processo de envelhecimento, assegurando maior autonomia, independência, bem-estar e saúde (TRIADÓ & VILLAR, 2007).

Segundo Triadó e Villar (2007), as amizades constituem um importante apoio social e são fundamentais também pela faixa etária comum, indicando experiências de vida parecidas, recordações, opiniões e valores similares. Essas amizades são relações livres, voluntárias, baseadas na reciprocidade e no afeto, diferenciando, assim, das relações familiares, que são essenciais ao sujeito. Construir relações de amizade na velhice não é uma tarefa simples, devido à possível limitação do idoso ao convívio familiar e às perdas dos iguais. Quando transcendem a família, os relacionamentos se ampliam, enriquecendo e oportunizando formas diferentes de viver. (ARAUJO, 2012)

Em contrapartida, o apoio social inadequado está associado não apenas a um aumento de mortalidade, morbidade e problemas psicológicos, mas também a uma diminuição na saúde e bem-estar em geral. O rompimento de laços pessoais, solidão e interações conflituosas são as maiores fontes de estresse, enquanto relações sociais animadoras e próximas são fontes vitais de força emocional. (GIRONDA & LUBBEN, 2003)

Recentemente, o convívio social frágil foi relacionado como um dos fatores de risco “modificável” para demência, ao lado do consumo excessivo de álcool, traumatismo cranioencefálico (TCE), poluição do ar, baixa escolaridade, hipertensão arterial, deficiência auditiva, tabagismo, obesidade, depressão, sedentarismo e diabetes. (LIVINGSTON et al., 2020)

Dessa forma, a interação social, associada ao controle dos fatores de risco anteriormente descritos, pode contribuir para evitar ou retardar o aparecimento de alterações cognitivas, além de manter a mobilidade e autonomia dos idosos, estimulando a prática de atividade física regular; e fortalecer laços afetivos, proporcionando momentos felizes e prazerosos.

O direito de o indivíduo usufruir de um bem-estar pessoal deve estar presente em qualquer faixa etária. O idoso conquistando espaços sociais conscientiza a sociedade para o envelhecimento como continuação e consequência de um modo de vida anterior. No âmbito familiar, ele desempenha papel preponderante, sendo fundamentais ações que estreitem vínculos e almejem uma qualidade de vida para todos. (FREITAS, 2022)

Geriatra
Tatiana Elias de Pontes - especialista em geriatria da Prevent Senior

REFERÊNCIAS:

ARAUJO, C.K. et al. Vínculos Familiares e Sociais nas Relações dos Idosos. Revista Jovens Pesquisadores, Santa Cruz do Sul, n. 1, p. 97-107, 2012.

Estratégia de Cooperação do País 2022-2027 (Brasil). Organização Pan-Americana da Saúde, 2022.

FREITAS, E. V. Tratado de geriatria e gerontologia / Elizabete Viana de Freitas, Ligia Py. 5. ed. Rio de Janeiro :Guanabara Koogan, 2022.

GIRONDA, M. & LUBBEN, J. Preventing loneliness and isolation in older adulthood. 2003. In: Envelhecimento ativo: uma política de saúde / World Health Organization; tradução Suzana Gontijo. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2005.

LIVINGSTON, G. et al. Dementia prevention, intervention, and care: 2020 report of the Lancet Commission. Vol 396 August 8, p. 413-446, 2020.

TRIADÓ, C; VILLAR, F. (Org.). Psicología de la vejez. Madrid: Alianza Editorial, 2007

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1 Especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Mestrado Profissional em Tecnologias e Atenção à Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Coordenadora da equipe de Geriatria e do Programa de Residência Médica em Geriatria da Prevent Senior.