“Tuberculose, a peste branca, a doença que retorna sem nunca ter ido”

“Tuberculose, a peste branca, a doença que retorna sem nunca ter ido”

23 de setembro de 2022

Artigos

Veja o artigo do médico pneumologista da Prevent Senior, Amir Szklo, sobre a tuberculose, uma doença que afeta os pulmões

Todo médico pneumologista escuta a seguinte frase dita pelo paciente quando se dá o diagnóstico de tuberculose pulmonar:

“Doutor, a tuberculose está voltando?????”

Minha resposta é sempre a mesma: “Não, ela não está voltando porque ela nunca foi embora, só saiu da mídia, mas continua infectando e matando milhões de pessoas mundo afora e, principalmente, no Brasil”

Vencido o primeiro choque de realidade, cabe a mim explicar do que se trata essa patologia comum, antiga, diagnosticável e, principalmente, tratável com medicação gratuita e muito eficaz.

Também chamada de tísica pulmonar, 'peste branca' ou 'doença do peito', a tuberculose, é uma doença infecciosa documentada desde longa data. Evidências de decomposição tubercular encontradas em múmias do Egito indicam que a tuberculose tenha acometido a humanidade há pelo menos 4 mil anos

Em 1815, na Grã-Bretanha, uma entre quatro mortes era devido à tísica pulmonar, sendo que, após 1880, depois de descoberto tratar-se de moléstia contagiosa, a tuberculose passou a ser objeto de notificação obrigatória no país. As pessoas infectadas eram levadas para sanatórios que mais se assemelhavam a prisões. Entretanto, apesar do ar fresco e do trabalho ali desenvolvido, 75% das pessoas internadas acabavam morrendo em menos de cinco anos.

O desconhecimento sobre a doença, a falta de diagnósticos e de terapias eficazes para o seu combate fizeram com que a tuberculose fosse vista como uma doença que derivava do comportamento desregrado e amoral, do ar impuro, do local aglomerado e não higiênico, do que era colocado para fora e que contagiava; do crescimento acelerado e desestruturado. Parte dessas percepções se mantém até hoje, independentemente de quanto a medicina tenha evoluído na sua cura.

Por volta de 1860, a medicina associava a tísica às condições de miséria em que vivia a população. A grande preocupação, em termos de saúde pública, estava na destruição dos cortiços e recuperação das zonas urbanas das cidades. Os cortiços eram vistos como mantenedores, propagadores e acumuladores de sujeira e perigo social, antros de doenças. Dentre estas preocupações, a tuberculose não figurava como epidemia que necessitava de controle, como a febre amarela. Como a tuberculose desenvolvia-se principalmente nas camadas mais pobres e subnutridas, acreditava-se que estava intrinsecamente ligada à hereditariedade. A noção da doença implicava a noção de herança de morte. O adoecimento de várias pessoas da mesma família, ao mesmo tempo, servia para reforçar essa tese. A moléstia era herdada enquanto constituição e, na época, a morte sobrevinha porque a cura inexistia.

Outra teoria corrente definia a tuberculose como uma doença da constituição física, ou seja, nascia-se com o organismo predisposto ou com a moléstia. Essa ideia é remanescente de Hipócrates, que afirmava que “um tísico nascia de outro igualmente doente morrendo tísico”.

No final do século XVIII, a tuberculose, qualificada como 'doença romântica' característica de poetas e intelectuais, foi idealizada, nas obras literárias e artísticas, ao estilo do romantismo. Na verdade, o mal acometia, sobretudo, aqueles que, por sua atividade ou ideologia, se permitiam uma vida mais livre e mais distanciada dos padrões morais dominantes. Na época, a tísica, que representava a expressão física dos sentimentos, era reconhecida no campo artístico e literário como a doença da paixão.

Um dos principais livros da literatura mundial, “A montanha mágica”, do ganhador do Nobel de literatura de 1929, Thomas Mann, discorre sobre a experiência do autor num sanatório de tuberculose nas montanhas suíças.

Em 1882, o bacilo causador da doença, M. tuberculosis, foi descrito por Heinrich Hermann Robert Kochm que acabou levando o nome de seu descobridor, o bacilo de Koch ou BK Koch. Pela descoberta, o pesquisador recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1905. À época, ele não acreditava que as tuberculoses bovina e humana fossem similares, o que impediu o reconhecimento do leite infectado como fonte da doença.

Mais tarde, essa fonte seria eliminada graças à pasteurização. Em 1890, Koch apresentou um extrato de glicerina com o bacilo da tuberculose como um possível remédio para a doença, que chamou de tuberculina. Embora não tenha tido eficácia, esse invento de Koch foi usado para elaboração de um teste para tuberculose pré-sintomática. Esse invento foi o precursor do PPD, aquele teste que fazemos hoje em dia em posto de saúde que se injeta uma substância subcutânea e voltamos 72h após para a leitura da induração da pele.

A primeira vacina bem-sucedida contra a tuberculose foi desenvolvida a partir de linhagens atenuadas da tuberculose bovina, por Albert Calmette e Jean-Marie Camille Guèrin, em 1906. A vacina BCG (Bacilo de Calmette e Guèrin) foi usada pela primeira vez em humanos em 1921, na França, tendo sido impedido o seu uso nos Estados Unidos, na Alemanha e no Reino Unido até o final da Segunda Guerra Mundial.

Essa vacina é aquela que o bebê toma antes de sair da maternidade, que deixa a cicatriz, geralmente no braço direito, para o resto da vida. Essa vacina só é eficaz contra as formas mais graves da tuberculose como a meningite tuberculosa, mas protege muito pouco contra a forma pulmonar, a mais comum.

Até meados do século XX, além da vacinação preventiva e dos sanatórios, só havia outra possibilidade de tratamento, por meio de uma intervenção cirúrgica, que incluía a técnica do pneumotórax. A técnica usual e pouco benéfica consistia em provocar o colapso de um pulmão infectado para deixá-lo descansar e permitir a cicatrização das lesões. Era um procedimento extremamente doloroso.

Essa terapia foi posta de lado após 1944, em virtude do desenvolvimento da estreptomicina, antibiótico que possibilitou o adequado tratamento da tuberculose.

Em 1943, o cientista russo/norte-americano Selman Abraham Waksman descobriu, junto com seus colaboradores, que o fungo Streptomyces griseus produzia uma substância antibiótica que recebeu o nome de estreptomicina. No ano seguinte, uma paciente tratada com a substância foi curada. Experimentos posteriores confirmaram que a estreptomicina era, de fato, efetiva no tratamento da tuberculose.

O patologista e bacteriologista alemão GerhardDomagk recebeu, em 1939, o Prêmio Nobel de Fisiologia pela descoberta do efeito bactericida da sulfanilamida e, em 1952, Waksman foi agraciado com a mesma honraria pela descoberta da estreptomicina.

Em 1949, com a descoberta de outra droga, o ácido paraminossalicílico, que impedia o surgimento das estirpes resistentes à estreptomicina e, em 1952, com a isoniazida, a resistência bacilar foi temporariamente vencida. A essas drogas, seguiram-se a rifampicina, o etambutol e a tiacetazona. A esperança estava voltada então para os fármacos.

Com essa pequena revisão histórica pode-se perceber que a tuberculose é uma doença da “miséria e condições sanitárias precárias” e isso ficou comprovado na história natural da doença nos Estados Unidos da América, onde a prevalência da tuberculose iniciou um forte declínio pós guerra e antes do advento do tratamento eficaz, justamente pela melhora das condições sanitárias e econômicas americanas nesse período.

No Brasil a tuberculose continua sendo um grave problema de saúde pública. Em 2019, foram 73.864 casos notificados e isso tem a ver com as condições socioeconômicas e sanitárias em nosso país.

A tuberculose já está entre nós há décadas, não poupando classe social. Porém 95% das pessoas que se contaminam com o bacilo não adoecem.

Como você pode se contaminar?

A tuberculose se espalha por perdigotos, escarro contaminado do paciente doente. NÃO se pega tuberculose comendo no mesmo prato ou usando a mesma toalha. Também NÃO se pega tuberculose no sexo, no beijo ou abraço.

As pessoas em risco, os chamados contratantes, são as que moram no mesmo domicílio ou trabalham no mesmo ambiente. E, repetindo, a contaminação se faz pela exposição constante a escarro contaminado. Portanto, não há a necessidade de se isolar o paciente na sua própria casa, basta obrigá-lo a usar uma máscara.

Os sintomas mais comuns são tosse persistente, seca ou com catarro. Caso a pessoa esteja há mais de duas semanas com tosse, é obrigatório realizar um Raio-X de tórax. Também ocorre a febre no final da tarde, a sudorese noturna e emagrecimento.

Gostaria de reforçar que todos nós, independentemente de classe social, profissão ou estado de saúde, somo sujeitos à infecção pela tuberculose. O diagnóstico é simples: um Raio-X de tórax e um exame de escarro.

O tratamento é gratuito em toda a rede pública (que tem o monopólio, não se vende remédio para tuberculose), dose única diária por 6 meses. Porém, com 15 dias de uso correto da medicação, o paciente não é mais um transmissor da doença, podendo retomar sua rotina normal.

Pergunta muito ouvida em consultório:

“Meu irmão está com tuberculose, o que eu faço? Posso estar contaminado?”

Simples, faça um Raio-X de tórax e, caso o exame esteja normal, vá ao posto de saúde fazer um PPD. Lá, os profissionais farão o monitoramento e darão as corretas coordenadas sobre os procedimentos necessários.

Como vocês podem perceber, a tuberculose não precisa ser temida, mas, sim, respeitada. E, por isso, monitorada e, acima de tudo, tratada!

Referências

Biblioteca científica digital, Scielo.